Lucas do Rio Verde - Outubro 26, 2025

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Toda profissão extrativista tem seus dias contados, o pescado é uma delas

Mas a categoria de pescadores reage contra o projeto "Transporte Zero", por entender que praticamente extingue a profissão

Por: Portal JVC / Diário de Cuiabá

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(Autor da imagem: Portal JVC)

Não é conversa de pescador, mas as duas correntes divergentes sobre o projeto Transporte Zero não acreditam uma na outra.

Nessa queda de braço entre Governo, técnicos, entidades e pescadores, Mato Grosso conta as horas para saber qual decisão a Assembleia Legislativa tomará no próximo dia 28, data da votação em segundo turno dessa propositura do governador Mauro Mendes (União.

“Estado usa o poder para eliminar o concorrente mais pobre”, dizem pesquisadores

No dia 2 deste mês, quando da primeira votação, a maioria apoiou a proposta do Palácio Paiaguás, mas, desde então, as discussões se acirraram e o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) posicionou-se contrário a ela.

Caso a primeira vitória seja mantida pelos parlamentares, a profissão pescador poderá ser extinta, pois seus profissionais dificilmente sobreviverão a um longo período longe da atividade, que é uma das mais antigas do mundo e tem citações bíblicas. Se os deputados rejeitarem a mensagem, em Mato Grosso a pesca seguirá em curso, quer seja embarcada ou de barranco, como acontece desde os primórdios da colonização no século XVIII.

Com o projeto, o Governo defende a suspensão da pesca nos rios, transporte e armazenamento de pescado por cinco anos, a partir de 2024.

A argumentação é o suposto despovoamento de peixes e a proteção ambiental. No período da proibição será permitida a pesca ao estilo pesque e solte, e de subsistência aos ribeirinhos.

Como compensação pela inatividade pesqueira de aproximadamente 16 mil profissionais ligados às 20 colônias de pesca Mato Grosso afora e aos fornecedores de iscas, chamados ‘isqueiros’, o Estado pagará a todos os que se enquadrem às exigências, um salário mínimo mensal no primeiro ano; meio salário, no segundo; e 25% de um salário, no terceiro ano.

Ao longo da vigência a área social do governo oferecerá cursos de capacitação aos pescadores.

Pescadores reclamam que o projeto foi enviado à Assembleia sem que o governo os ouvisse.

“Foi decisão unilateral, nada de democrático, pois fomos pegos de surpresa”, criticou Gonçalo Moreno de Lima, 58 anos, dos quais 48 pescando para a sobrevivência nas águas do rio Cuiabá.

A bancada governista é majoritária na Assembleia e em primeiro turno aprovou o projeto com folgada margem: 11 a 5, com seis ausências e duas abstenções.

Defensores da manutenção da pesca consideraram o resultado uma tragédia, mas para outros foi uma derrota vitoriosa, por não ter sido por placar mais elástico e acreditam que será possível revertê-la com base em fundamentação de técnicos e da pressão popular.

A Assembleia no primeiro turno manteve o posicionamento governista, mas diante da reação popular, inclusive nas galerias do plenário do Legislativo, recuou em parte. A primeira sessão teve à frente Janaína Riva (MDB), que era presidente em exercício.

A próxima votação será conduzida pelo presidente Eduardo Botelho (UB). Botelho articula, mas não vê o projeto com maus olhos e em nome de uma saída negociada tenta encontrar algumas compensações além daquelas propostas aos pescadores e da criação de travas para o governo.

O posicionamento do deputado, no primeiro momento, é um refresco, mas o pescador Jordão Libânio está cauteloso.

“Ele (Botelho) está com a gente, mas desde que o projeto seja aprovado; isso intranquiliza”, avalia. Mauro Mendes é reticente a possíveis alterações no projeto.

O primeiro turno foi costurado pelo líder do Governo, Dilmar Dal Bosco (UB), que jogou todas as fichas em sua aprovação, mas essa articulação sofreu resistência.

Votaram contra Elizeu Nascimento (PL), Lúdio Cabral (PT), Dr. João e Thiago Silva (ambos do MDB) e Wilson Santos (PSD). Janaína Riva (MDB) e Faissal Calil (Republicanos), se abstiveram; e Dr. Eugênio e Fabinho (ambos do PSB), Valdir Barranco (PT), Valmir Moretto (Republicanos) e Júlio Campos e Sebastião Rezende (ambos do UB) não estiveram no plenário. Os deputados Max Russi e Beto Dois a Um (ambos do PSB), Carlos Avallone (PSDB), Cláudio Ferreira (PTB), Diego Guimarães (Republicanos), Gilberto Cattani (PL), Gilberto Figueiredo (UB), Paulo Araújo (PP) Reck Júnior (PSD) e Valter Miotto (MDB) acompanharam o líder.

Independentemente do projeto em tramitação à espera da segunda votação, no período de defeso ou piracema Mato Grosso proíbe a pesca ao longo de quatro meses, entre o final de um ano e o começo do ano, por determinação do Conselho Estadual de Pesca (Cepesca), para permitir a reprodução e povoamento dos rios e lagos.

Na terça-feira (13), durante uma audiência pública na Assembleia para tratar do tema, Júlio Campos disse em entrevista que os deputados ouviriam a população, mas que a decisão seria somente deles, sem interferência.

No mesmo ato, a equipe do Governo mostrou sintonia com o projeto: o secretário de Desenvolvimento Econômico Cesar Miranda, afirmou que o projeto foi elaborado com base em estudos feitos pela própria Assembleia.

“É indiscutível que os nossos rios estão diminuindo a quantidade de peixes. Isso aí não precisa nem de estudos científicos. É só sair para pescar”.

Na quinta-feira (15) o deputado Wilson Santos (PSD) foi recebido pelo secretário-executivo do MPA, Carlos Mello, numa audiência ampliada que contou também com a participação dos presidentes da Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura (CNPA), Edivando Soares de Araújo, e da Associação do Segmento da Pesca, Nilma Silva.

No ato, Mello deixou claro que seu ministério é contrário ao projeto.

O projeto recebeu apoio do governador Ronaldo Caiado (União), de Goiás.

“Tem sido extremamente positivo para a economia de Goiás o transporte zero de pescado. É enorme o nosso prestígio hoje no cenário nacional. Para vocês terem uma ideia, são mais de 9 milhões de brasileiros e de turistas de outros países que vêm fazer as competições de pesca dos rios e lagos do nosso estado”.

Caiado acrescentou que em seu Estado projeto semelhante está em vigor há 10 anos.

Numa Nota Técnica assinada por pesquisadores, ambientalistas e organizações socioambientais contrários ao projeto, a doutora em Ecologia em Recursos Naturais, Luciana Ferraz, que é também membro do Cepesca sustenta que (o projeto) representa prejuízos culturais, sociais e econômicos aos pescadores profissionais de Mato Grosso, mediante a um favorecimento da modalidade de “Pesque e Solte, característica de pontos turísticos e regiões economicamente superiores às comunidades ribeirinhas do Estado.

Numa reunião no sábado (17), com a Colônia de Pescadores Z-3 de Rondonópolis, Cláudio Ferreira foi pressionado para mudar de posicionamento no segundo turno.

O deputado não se deixou intimidar, mas face ao clima tenso assegurou que iria avaliar o pedido.

Se o projeto for aprovado a demanda por pescado em Mato Grosso terá que ser atendida pela piscicultura, que despesca 42 mil toneladas anuais de pescado – a sétima maior produção brasileira – o correspondente à oferta de 12 kg anuais per capita aos 3,5 milhões de habitantes e não há meios para aumento de produção de imediato e em volume expressivo. Mato Grosso é um dos precursores da piscicultura nacional e os tanques pesqueiros foram incorporados à sua economia no começo dos anos 1990, sendo um dos pioneiros o empresário João Pedro da Silva, que opera em todos os elos da cadeia da piscicultura a partir do município de Sorriso.

A primeira lei que regulamentou a piscicultura mato-grossense é de 2009, mas a mesma foi questionada em 2012 e somente em 2019 o empresariado do setor conseguiu firmar um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público, para a retomada plena da atividade.

O diretor da Associação dos Aquicultores do Estado de Mato Grosso (Aquamat), Igor Cesar Davoglio, lamenta o longo período de insegurança jurídica que atingiu os piscicultores impedindo a expansão da atividade.

Quanto à piscicultura, não há nenhuma barreira e a mesma não será atingida pelo Transporte Zero: ao contrário, sairá fortalecida, mas quanto a pesca tradicional a situação será bem diferente, como admite Mauro Mendes, que fala em extinção da profissão pescador, a exemplo de tantas outras engolidas pelo tempo e a evolução.

Apreensivos, pescadores prometem ocupar a Assembleia como fizeram no dia 13, quando da audiência pública que tratou da questão.

A data da votação para eles tem simbolismo: é véspera do Dia de São Pedro, o apóstolo pescador, que é celebrado por procissões fluviais nos dias 28 e 29 de junho.

O resultado do segundo turno ditará o rumo que a categoria seguirá ao sair das galerias do Parlamento: a volta para casa com o peso da derrota e a incerteza do amanhã ou a vitória que lhes permitirá continuar ganhando o pão de cada dia nas águas das bacias do Amazonas, Tocantins e Pará, que lhes alimenta, alegra seus corações e mantém viva a esperança de pescaria cada vez melhor.

Jornalista Valdecir Chagas

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