Catorze deputados estaduais de Mato Grosso, um prefeito e um secretário de estado são citados em uma investigação da Polícia Civil que apura suposto esquema na execução de emendas parlamentares durante o período eleitoral. Eles negam qualquer irregularidade.
O que aconteceu
Polícia identificou um grupo criminoso que pode ter gerado prejuízo de R$ 28 milhões aos cofres públicos na compra de kits agrícolas. Os kits continham objetos como roçadeira, motocultivador, adubadeira costal e perfurador de solo. A Operação Suserano foi desencadeada em 24 de setembro de 2024 pela Deccor (Delegacia Especializada de Combate à Corrupção).
Empresário Alessandro do Nascimento é apontado como suposto beneficiado do esquema. Ele seria sócio oculto de empresa que teria recebido dinheiro de emendas parlamentares de 14 deputados. A delegada responsável pelo caso, Juliana Rado, solicitou o encaminhamento do inquérito à Polícia Federal no dia 15 de maio.
Sobrepreço seria de R$ 10,2 milhões. Os parlamentares foram os autores de emendas que resultaram em 24 termos de fomento assinados pela Seaf (Secretaria de Estado de Agricultura Familiar) com o Instituto de Natureza e Turismo – Pronatur para fornecer kits agrícolas comprados com sobrepreço de R$ 10,2 milhões, segundo a investigação.
Empresário teria atuado como sócio oculto de uma rede de empresas que foram destinatárias de emendas. A investigação demonstrou que o grupo de Nascimento teria relação ou recebido emendas dos seguintes deputados: José Eduardo Botelho (União), que na época era presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT); Juca do Guaraná (MDB); Cláudio Ferreira (PL), atual prefeito de Rondonópolis; Doutor João José (MDB); Alan Kardec (PSB), atual secretário de Ciência e Tecnologia da Informação; Gilberto Cattani (PL); Fabio Tardin (PSB); Julio Campos (União), ex-governador do estado; Faissal Calil (PL); Ondanir Bortolini (PSD); Dr. Eugênio (PSB); Wilson Santos (PSD); Thiago Silva (MDB);Dilmar Dalbosco (União) e Carlos Avalone (PSDB). O deputado Diego Guimarães (Republicanos) é citado no inquérito, porém, o nome dele não constaentre os que destinaram emendas.
Parlamentares negaram participação no suposto esquema. “Nunca participei de nenhuma entrega de obras ou equipamentos durante o período eleitoral”, disse Eduardo Botelho (União). O prefeito de Rondonópolis (MT), Cláudio Ferreira, afirmou que, enquanto exerceu o cargo de deputado estadual, destinou suas emendas parlamentares com vistas a atender os interesses dos cidadãos mato-grossenses, sendo que todas elas foram entregues e cumpridas.
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De acordo com as investigações, o dinheiro dos kits foi pago pelo instituto para a empresa Tupã Comércio e Representações. Segundo a polícia, a empresa estava em nome de um homem que seria laranja do grupo criminoso e trabalhava como treinador de futebol da Associação Atlética e Cultural Nacional, presidida por Nascimento. A associação também recebeu recursos de emendas para o projeto “Craque cidadão” que totalizaram mais de R$ 1 milhão.
Segundo as investigações, Nascimento planejava comprar dois imóveis nos Estados Unidos por R$ 7 milhões. A polícia suspeita que ele teria atuado para lavar dinheiro no exterior, utilizando um contador nos Estados Unidos. Procurada, a defesa de Nascimento disse que ele “não foi indiciado ou denunciado, sequer foi ouvido pela Polícia Civil” e negou que o cliente tenha contratos no estado do Mato Grosso.
Nascimento é apontado como pessoa próxima do deputado estadual Carlos Avalone (PSDB). Conforme as investigações, o parlamentar esteve presente na festa de aniversário de 15 anos da filha de Alessandro. Avalone foi o autor de uma emenda parlamentar de R$ 10 milhões destinada à compra de 25 mil kits de ferramenta da agricultura familiar. Procurada, a assessoria do deputado disse que “não houve entrega de kits em período eleitoral e as entregas feitas pelo deputado foram publicizadas nas redes sociais do parlamentar, para total transparência. O deputado reitera que está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento”.
Outro deputado citado nas investigações é Diego Guimarães (Republicanos). Ele teria recebido um ofício assinado pelo presidente do Instituto Pronatur, Wilker Weslley Arruda e Silva, no qual afirma que cada deputado teria direito a 200 kits para entrega em área rural e pede que o parlamentar apresente uma lista de quem será beneficiado com os kits e providencie o transporte.
Procurado, o deputado enviou nota à reportagem dizendo que “não indicou entregas nem participou de qualquer entrega dos kits agrícolas”. “Como o deputado não destinou emendas, indicou beneficiários ou participou de entregas dos kits agrícolas, fica evidente seu distanciamento do caso”, afirma a assessoria de Guimarães.
Gilberto Cattani: “não havendo qualquer envolvimento com atos ilícitos, estando certo de que em eventual procedimento investigatório sua inocência será inconteste”. “Manifesto ainda o apoio a toda e qualquer punição a quem praticar atos criminosos em nosso país, respeitados a ampla defesa e o contraditório.”
Caixa com anotações foi recuperada
Um dia antes de a operação ser deflagrada, em 24 de setembro de 2024, Nascimento teria descoberto as investigações. Segundo a polícia, ele deixou na casa de um casal de amigos uma caixa, na tentativa de evitar que o material fosse apreendido. A caixa foi entregue pelo próprio Nascimento à Polícia Civil dias depois.
Nela, foram verificadas anotações com os nomes de deputados estaduais. As anotações trazem os nomes de Eduardo Botelho (União) e Ondanir Bortolini (PSD), este último conhecido como Nininho.
“500k Nininho” e “1m Botelho” e, abaixo, “Distribuição e fomento de materiais esportivos para?”, diziam as anotações. Os cadernos que o investigado supostamente tentou esconder também mostram anotações em nome de Dr. Eugênio (PSB), Dilmar Dal Bosco (União), Faissal Calil (PL), Carlos Avalone (PSDB) e Thiago Silva (MDB).
A polícia também identificou que diversos deputados estaduais solicitaram produtos para a empresa Tubarão Sports. Segundo a polícia, a empresa também tem Nascimento como sócio oculto. Os deputados que fizeram estas solicitações, segundo a polícia, foram: Eduardo Botelho (União), Juca do Guaraná (MDB), Claudio Ferreira (PL), Doutor João José (MDB), Alan Kardec (MDB), Gilberto Cattani (PL), Fabio Tardin (PSB) e Júlio Campos (União). A defesa de Nascimento diz que “a empresa Tubarão Sports não é investigada na Operação Suserano e não foi alvo de nenhuma medida judicial”.
Investigação indica que dois assessores do deputado Eduardo Botelho assinaram como destinatários dos kits agrícolas. A polícia suspeita que, além do sobrepreço, tenha ocorrido crime eleitoral na entrega dos kits. Botelho e o deputado Thiago Silva entregaram kits em Cuiabá e Rondonópolis, cidades em que eram candidatos a prefeito, respectivamente.
Ainda segundo a Polícia Civil, os deputados Carlos Avallone, Faissal Calil, Wilson Santos e Juca do Guaraná destinaram emendas para cidades em que tiveram parentes beneficiados. A Pronatur também entregou kits em cidades das quais alguns deputados tinham aliados políticos no pleito municipal de 2024, a exemplo do candidato a prefeito de Várzea Grande, Kalil Baracat (MDB), que tinha como aliado o Deputado Júlio Campos, que destinou kits para o município.
Por causa das suspeitas, a Polícia Civil encaminhou as investigações para a Polícia Federal.
Documentos obtidos indicam que houve participação direta dos deputados nos eventos de entrega, utilização política desses eventos em em período eleitoral e coleta de informações pessoais dos beneficiários (nome, CPF, telefone e endereço).
Trecho do relatório obtido pela reportagem do UOL.